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30/07/2021
13 minutos de leitura
O brasileiro é, por natureza, muito criativo e consegue observar oportunidades e colocar a sua ideia em prática. Isso é um fato! Eu acredito que o cenário brasileiro atual esteja aquecido e eu vejo com boas perspectivas a retomada do fôlego para os negócios, diante das novas formas de: foco no cliente, desenvolvimento pessoal e profissional e conexões.
Em entrevista à Revista digital Empreendedores do Brasil, edição de julho de 2021, eu falei sobre a minha trajetória como aprendiz, empreendedora, investidora, sobre o cenário atual do empreendedorismo brasileiro, Marco Legal das Startups, o processo de transformação digital, empreendedorismo nas escolas, G2 Capital e G2Women, além de abordar cases de grandes mulheres que marcaram e impactaram a minha vida.
Esse bate-papo fluiu em torno das minhas percepções em torno da evolução do empreendedorismo no Brasil, que nunca esteve tão forte quanto agora, ainda mais com o Marco Legal das Startups, sendo aprovado no Senado em maio deste ano e florescendo o ambiente de inovação nacional.
Abaixo está a íntegra de todo o conteúdo dessa entrevista:
Camila, você estudou empreendedorismo nos EUA e trabalha com o tema no Brasil. O que você entende que precisamos evoluir aqui, para desfrutar de um ambiente de inovação e novos negócios à semelhança do modelo norte-americano?
CF: O empreendedorismo nunca esteve tão forte como agora. Se olharmos o cenário atual, comparado há alguns anos, é possível notar uma evolução importante em capacitação e compreensão do que é a mentalidade empreendedora. E claro que olhando para o aspecto macro do setor, incentivos regulatórios ajudariam muito o Brasil a desenvolver sua indústria de base inovadora. Acho que estamos no caminho e o Marco Legal das Startups, aprovado no Senado, foi um passo importante para florescimento do ambiente de inovação nacional.
O Marco Legal é peça fundamental para estimular o empreendedorismo, incentivar o investimento e aquecer o ecossistema de startups. Ele é, sem dúvida, um primeiro passo importante para as empresas de base inovadora. Com o texto aprovado, fica estabelecido, conceitualmente e juridicamente, o que são as startups - empresas com até 10 anos de inscrição no CNPJ, que tenham faturado até 16 milhões de reais no ano anterior e que declarem que têm um modelo de negócios inovador ou se enquadrem na legislação do Inova Simples. Além disso, o Marco traz uma segurança jurídica importante para os investidores, uma vez que não os classifica como sócios formais dessas empresas e, com isso, eles não são responsabilizados por dívidas das startups. Estados Unidos, Inglaterra, França, Itália, Espanha e Portugal, já possuem suas ferramentas de apoio a startups. Vamos aguardar para ver o impacto desse aporte por aqui.
“O empreendedorismo nunca esteve tão forte como agora”
Nos últimos anos, devido ao movimento de transformação digital, diversas empresas tradicionais têm buscado investir em ecossistemas de inovação. Você acredita que esse movimento gera os resultados buscados? Ele é sustentável? Por quê?
CF: O ano de 2020, seguramente, foi o mais desafiador para as empresas nesses últimos tempos. Vejo com boas perspectivas a retomada do fôlego para os negócios, especialmente na fase pós-vacina. Mas, além disso, vejo uma oportunidade e um desafio imensos para os empreendedores. Se olharmos do ponto de vista da oportunidade, essa é a chance para realmente promover a transformação digital e olhar para os ecossistemas de inovação. Pode ser uma boa. O desafio está em compreender o que quer e como consome esse cliente pós-pandemia. Para terem negócios mais sólidos, as empresas, especialmente as pequenas e médias, precisarão entender como se adequar a ele e à economia de baixo contato que se potencializou na pandemia.
“O Marco Legal é peça fundamental para estimular o empreendedorismo”
O que você pensa sobre o tema empreendedorismo nas escolas?
CF: Empreendedorismo é mentalidade. E mais do que uma disciplina, é aprender a trabalhar com foco em resultado, colocar clientes ou parceiros no centro da estratégia, é ter necessidade de aprendizado contínuo. Dessa forma, vejo com muito bons olhos que esse tipo de educação seja trabalhado nas escolas, não só naquelas de negócios, mas nas que oferecem outros tipos de ensino. As habilidades de resolução de problemas são úteis em diversas frentes.
“Vejo com boas perspectivas a retomada do fôlego para os negócios”
Você é um dos tubarões do programa Shark Tank do Sony Channel. Qual foi a ideia de negócios mais original que você já avaliou no programa, na qual decidiu investir?
CF: São vários os projetos interessantes, mas gostaria de destacar algumas peculiaridades da temporada recente. A combinação de propósito, liderança, conhecimento do público-alvo e paixão pelo impacto são alguns fatores que destacaram a Karine Santos, assim como a Wakanda Educação Empreendedora, por exemplo. A Karine é o tipo de empreendedora que desenvolve seu negócio pensando verdadeiramente na necessidade do seu cliente, vai a campo, observa e, como costumo dizer, gasta sola de sapato para entender o entorno e realmente trazer impacto e resultados. Gosto também de citar a Florent, da moda circular consciente. A Sarah Almeida quis ir além de um e-commerce de roupas: estudou o mercado de moda, suas dores (como o descarte e desperdício de recursos naturais para confecção das peças), planejou seu negócio pensando em propor uma solução. Conectou-se com a cauda longa do fornecimento, validou junto ao cliente e trouxe um pitch consistente e um negócio de impacto. Acredito que esses são apenas dois exemplos de empreendedoras que se destacaram nesta última edição. A empresa da minha família me fez viver o empreendedorismo na prática, e me deu a base.
Quais são seus critérios para investir em uma startup?
CF: Para uma startup chamar a minha atenção, o primeiro passo que enxergo como importante é que a empresa tenha um time complementar. O que mais eu vejo são startups que possuem tecnologia, mas que não têm uma boa pessoa de produto, especialista naquilo que é o coração do produto ou serviço. O primeiro critério que observo é se a startup conta com um time complementar, com domínio do mercado em que está. A segunda coisa que eu analiso é o modelo de negócio: se existe um grande problema, se existe uma solução e quão tracionado pode ser este negócio (quanto ele pode crescer). E o terceiro, e não menos importante: quais são, dentro do tamanho do mercado, as possibilidades de saída.
“O primeiro passo que enxergo como importante é que a empresa tenha um time complementar.”
Na sua opinião, qual o principal diferencial do brasileiro como empreendedor e qual sua maior fraqueza?
CF: O brasileiro é, por natureza, muito criativo, observa oportunidades e coloca sua ideia em prática. Por outro lado, ainda existem dois pontos importantes: a necessidade de ter disciplina financeira (como, por exemplo, não misturar finanças pessoais e da empresa) e ter o hábito de fazer uma reserva de emergência. Além disso, é preciso olhar primeiro para o cliente, para ver o que ele precisa e pensar em como sua ideia ou seu projeto pode atender a essas necessidades. Uma das principais causas de mortalidade das empresas e startups é “no market need” ou, em português, o conceito de oferecer produtos ou serviços que o mercado não precisa. É necessário que a cultura de experimentação, prototipação com base em dados se prolifere, para que tenhamos resultados ainda mais expressivos por aqui.
“O brasileiro é, por natureza, muito criativo, observa oportunidades e coloca sua ideia em prática.”
Você é fundadora do Grupo Boxx, que engloba coffee shops, fit fastfood, além da própria marca de café em grãos, a Farani Caffé. Foi como tudo começou? Como Camila se percebeu empreendedora?
CF: A empresa da minha família me fez viver o empreendedorismo na prática e me deu a base para entender o que era o mundo dos negócios. Eu me descobri empreendedora aos 21 anos, querendo fazer diferente e ter impacto, mas hoje vejo que o pensamento empreendedor começou muito antes. Minha história de vida se mistura um pouco à minha história com o empreendedorismo, porque eu comecei a empreender ao lado da minha mãe praticamente por necessidade. O meu pai faleceu quando eu tinha 3 anos e por isso a minha mãe precisou correr para sustentar a mim e ao meu irmão. Ela juntou o dinheiro que meu pai tinha deixado e abriu a Tabaco Café. Quando eu completei 16 anos, comecei a trabalhar com ela e aprendi muito. Entendi o que era relacionamento com cliente, gestão financeira, o que era meta, desenvolvimento de produto e o que acontece quando uma meta não é alcançada. Tive uma ideia de criar uma carta de café gelado de forma a aumentar o faturamento. Minha meta era 30% e eu bati 26%. Ganhei um percentual na empresa e comecei a realmente me apaixonar pelo empreendedorismo.
O que é investidora anjo e o que ele faz?
CF: Conceitualmente, o investidor-anjo tem como objetivo aplicar em negócios com alto potencial de retorno, que consequentemente terão um grande impacto positivo para a sociedade, por meio da geração de oportunidades de trabalho e de renda. Sob a ótica do empreendedor, o impacto do investidor-anjo está, principalmente, no auxílio do desenvolvimento da empresa, em ganhar tração e, claro, em se beneficiar da rede de relacionamento e contatos do investidor. Para mim, especialmente, existe toda essa responsabilidade de ajudar na construção do setor de base inovadora. Normalmente são empreendedores que estão ou não na ativa, ex-executivos, herdeiros, artistas, que investem individualmente de R$ 30 mil a R$ 50 mil ou em grupo de R$ 250 mil a R$ 500 mil e obtém de 15 a 25% de participação. Para ser investidor anjo é necessário ter apetite a risco. As pesquisas mostram que de 10 startups investidas, apenas 1 ou 2 vão para a frente. E, assim, o investidor consegue tirar o capital investido multiplicado.
Fale-nos um pouco sobre as G2 Capital e G2 Women.
CF: A G2 Capital é minha boutique de investimentos em empresas de tecnologia e startups. Hoje sou presidente da empresa e continuo investindo, tanto por meio dela, quanto através da minha holding e pelo Shark Tank Brasil. O grupo G2 Women (G2W) é um braço focado em investidoras e negócios liderados por mulheres. Ele busca reunir investidoras e aportar também em negócios da área de tecnologia fundados ou liderados por CEOs mulheres. O foco principal são startups que tenham faturamento anual entre R$ 100 mil e R$ 500 mil. A intenção do G2W é fortalecer o ecossistema feminino de empreendedorismo, inovação e investimentos de forma geral.
“Foco no cliente, desenvolvimento pessoal e profissional e conexões”
Você é Co-fundadora do Mulheres Investidoras Anjo – MIA. Quando surgiu esse grupo e qual sua missão?
CF: O grupo surgiu da constatação da ausência feminina no ecossistema do investimento e empreendedorismo. Foi nesse contexto que eu co-fundei o MIA junto com Ana Fontes, da Rede Mulher Empreendedora, e Maria Rita Spina, em dezembro de 2013. Hoje, menos de 10% dos investidores-anjo no Brasil são mulheres, segundo dados do próprio MIA. Mais especificamente, 9%. Nos EUA e no Reino Unido, a participação de mulheres investidoras já fica em torno de 22%. “E porque isso é importante?”, muitos me perguntam. Eu acredito muito na complementaridade de relações e, inevitavelmente, ter mulheres entre investidoras significa também ter pontos de vista mais diversos, contar com uma rede de networking diferente e que pode, sim, fazer diferença na bagagem e no amadurecimento de determinada startup.
“O empreendedorismo é mentalidade”
Você tem sido uma voz do empreendedorismo feminino. Você sente que ainda existem barreiras a serem superadas pelas mulheres que desejam empreender? Quais são elas?
CF: Acredito que existem muitos desafios, alguns relacionados ao mercado em si e outros conectados com as principais “dores” das empreendedoras. Elas têm um comportamento resiliente, buscam alternativas para as resoluções de problemas, mas ao mesmo tempo, têm grandes desafios a superar. Em relação ao mercado em si, o maior desafio hoje para o empreendedorismo está em entender esse novo consumidor que surge na fase pós-pandemia: Quais são suas necessidades e seus desejos? Como conseguem adaptar seus negócios a essas novas demandas? Em relação às principais dores das mulheres ao empreender estão, sobretudo: capacitação, referências femininas, redes de apoio e fortalecimento dos argumentos para negociação, conforme mostrou nossa pesquisa com 2707 mulheres que embasou o Ela Vence, meu hub online de protagonismo feminino. Claro, indo além do estudo, existem outros grandes desafios, especialmente em financiamento e crédito.
“O Shark Tank Brasil se tornou uma das maiores escolas de empreendedorismo dos últimos tempos”
Ainda falando Shark Tank, o que você mais gosta no programa e em que ele mudou na sua vida?
CF: O Shark Tank Brasil se tornou uma das maiores escolas de empreendedorismo dos últimos tempos. Pode parecer exagero, mas se você considerar o papel do programa em popularizar termos, conceitos, metodologias e questionamentos aos empreendedores, a contribuição é verdadeiramente imensa. Vemos um amadurecimento não só no perfil dos empreendedores que passaram pelo programa, mas também na sofisticação e repertório daqueles que assistem. Para mim, claro, além das boas oportunidades de investimento, o programa trouxe uma exposição do conceito empreendedor muito interessante. O que eu quero dizer: sou uma professora natural de empreendedorismo nesses mais de 20 anos em que estou no ramo e o Shark Tank me ajudou demais na popularização desses conceitos.
Que conselho você daria para o nosso leitor que deseja empreender?
CF: Acredito que existem três dimensões muito importantes para serem analisadas por quem quer empreender: foco no cliente, desenvolvimento pessoal e profissional e conexões. Nunca foi tão importante colocar o cliente no centro do negócio e observar suas necessidades para desenvolver produtos ou serviços que atendam exatamente o que ele precisa. Segundo eixo fundamental é o desenvolvimento profissional/pessoal, necessário para qualquer empreendedor. Mentalidade de aprendizado constante é imperativo para qualquer líder de negócios. É preciso furar a bolha do dia a dia, reservar tempo para leitura, aprendizados, buscar referências de produtos, processos, observar e ler sobre os concorrentes e buscar sempre melhorar as competências profissionais para o negócio e também pessoais, para que o estilo de gestão também seja aprimorado. E o terceiro eixo, claro, são as conexões. À medida que a empreendedora ou empreendedor olha para o entorno e observa quais são os agentes que podem impactar os seus negócios, de várias formas, seja abrindo portas para clientes, apresentando novos fornecedores ou mesmo compartilhando suas experiências e mostrando o que deu certo ou não, desenvolve uma mentalidade colaborativa. Essas conexões são importantíssimas.
Autor:
Camila Farani
CEO e Investidora-Anjo